No meio dessa madrugada eu acordo e essa edição chega pronta na minha cabeça.
Escrevo ela mentalmente com o desejo de fixa-la na minha memória detalhadamente pra quando eu acordasse hoje, conseguisse reproduzi-la fielmente.
Um lampejo de lucidez me atingiu e me despertou. A mensagem era clara:
“Eu escrevo para procrastinar a parte chata da minha vida"
Eu odeio burocracias, odeio trabalhos mecânicos. Quer me ver irritada? Basta me passar trabalhos burocráticos pra fazer. Vejo dementadores (aqueles do Harry Potter) na fila do cartório, nas planilhas de excel, no aplicativo do plano de saúde.
Assim que a vida me dá uma tarefa burocrática pra fazer (e, vamos falar a verdade, a vida está cheia delas), meus dedos agem como um reflexo, tentando me proteger de algo que ameaça minha alma, e abrem a página em branco para escrever compulsivamente qualquer pensamento que surja. Eu me cobro engano que preciso escrever essa newsletter (meus leitores não vivem sem ela!).
Mas o lampejo de lucidez não veio pra me desvalorizar ou acusar.
Veio pra me iluminar.
Afinal, é tão difícil saber o que de fato nos impulsiona, o que nos faz bem, o que nos acalma, o que nos deixa feliz, não é mesmo?
Eu sempre soube o que eu odeio fazer. Posso fazer uma lista gigante aqui de coisas que me dão nos nervos mas, o que eu amo fazer, o que me dá prazer e me nutre, nem sempre é tão claro para mim...
Pois então, eu percebi que sou muito feliz escrevendo aqui e assumir isso foi um grande passo pra mim.
Entendi que sou introspectiva e que estudar e escrever em silêncio nutre minha alma.
Uma pessoa introspectiva, segundo a psicologia, é alguém que tende a focar em seu mundo interior, refletindo sobre seus pensamentos, emoções e experiências. Essas pessoas geralmente preferem ambientes mais tranquilos para poderem refletir e processar suas ideias.
Eu demorei pra entender isso porque eu amo conhecer pessoas, me conectar, conversar, estar com a minha família, encontrar os amigos! Eu sou muito interessada nas pessoas, em suas histórias, pelo que elas sentem e como vivem.
Porém, mesmo gostando muito de estar com as pessoas, eu preciso desse meu tempo em solitude pra me reabastecer. Ah, como me faz bem passar um tempo sozinha sentada na minha poltrona lendo, escrevendo, pesquisando, estudando…
Nessa divagação da madrugada um filme passou pela minha cabeça me lembrando de todos os momentos da minha vida que eu escrevi, quero dizer, procrastinei.
E ao “assistir” àquele filme mental eu entendi que escrever pra blogs (sim, sou dessa época, está me faltando colágeno) sempre foi uma rota de fuga, uma saída de emergência.
Foram várias fases da minha vida em que escrevi.
Já tive um blog sobre minha viagem de volta ao mundo (há 22 anos, ahh... o colágeno...). Eu deduzi que escrevia naquela época também para procrastinar a necessidade de dar ordem à bagunça que me acompanhava na vida nômade.
Tive um blog (anônimo) na maternidade, para procrastinar a parte puxada do ofício de ser mãe. Eu deixava a organização do armário e os bodies sujos de lado enquanto escrevia sobre a delícia loucura daquele novo status em que me encontrava. Em uma das edições aqui, conto como arrumava tempo dava um jeito de escrever durante o puerpério. Tive textos compartilhados milhões de vezes no facebook, mas me mantive no anonimato.
Por um tempo, tive um blog com dicas de viagens incríveis, junto com uma amiga. Eu adorava escrever sobre aqueles lugares! Pesquisava, descobria, compartilhava relatos das minhas viagens e dava dicas superlegais. Muitas pessoas usaram aquelas sugestões para planejar seus próprios roteiros. Hoje percebo que escrever para o blog era a minha desculpa interna para procrastinar todas as planilhas de Excel e as burocracias que eu precisava resolver para a minha empresa.
Mas o grande insight dessa madrugada foi admitir, para mim mesma, que esse espaço da escrita realmente me faz bem.
É aqui que eu procrastino a parte chata da vida sim, mas aqui também é um lugar que eu consigo descanso, que eu me divirto, aprendo, organizo os pensamentos.
Aqui eu alimento minha alma.
E eu achei lindo descobrir e assumir isso.
Quando nos conhecemos e nos assumimos, passamos a fazer escolhas que realmente fazem sentido para nós. Manter-me viva aqui nessa newsletter hoje, por exemplo, me faz muito bem.
Eu te convido a se observar nesses momentos em que seu corpo te leva pra alguma atividade a fim de procrastinar a parte entediante da sua vida.
Mas pra isso, terá que dar uma pausa no maior inimigo desses momentos: as redes sociais. Elas são, hoje em dia, a forma mais óbvia de procrastinação, vamos ser honestos. Por isso, te recomendo deletar os aplicativos dessas redes do seu celular por um tempo e se observar.
Sem as redes para te distrair, o que você faz para procrastinar as tarefas que não quer fazer?
Onde o seu corpo te leva instintivamente pra te safar de chatices da vida real?
Talvez com esse exercício você descubra um hobby muito legal ou até sua própria vocação! Algo que te desperte curiosidade, que te inspire, que nutra sua alma. Que te descanse. Pode ser algo que você faça bem e nem se de conta disso. Um lugar que você faz as pazes com você mesmo.
E essa descoberta é maravilhosa.
Mas, meus queridos, eu passaria a tarde arrumando esse texto e leria mais 5 newsletters que eu to atrasada se eu não tivesse boletos a serem pagos (e eles não são pagos com essa newsletter).
Então vou trabalhar e, quem sabe, conseguir dar o check nas pendências que venho procrastinando há muito tempo mas que acordei determinada a saná-las o mais breve possível.
Dentre elas:
agendar renovação do passaporte italiano dos meus filhos (quero morrer)
mudar meu endereço no cartório eleitoral (essa eu procrastino há 20 anos minha gente, mas 2025 é meu ano)
Mas antes mesmo dessas pendências, a vida como ela é para além do trabalho, essa manhã eu ainda preciso procrastinar resolver:
pedir reembolso no plano de saúde (tem coisa mais chata?)
etiquetar o material escolar (de 2 filhos)
fazer meu exercício diário (pra dar conta do resto)
decidir o almoço (essa eu procrastinaria até as 12:45)
Meus dedos coçam pra continuar aqui. Meu livro, ao meu lado, grita, pedindo para ser lido. Mas depois de alimentar minha alma e atender ao chamado da minha mente da madrugada, que me trouxe até aqui para escrever esta edição, é hora de começar o dia.
Tenho um call agendado pra agora e esse eu não posso procrastinar.
Bom dia!
P.S.: Nunca tive coragem de monetizar minha escrita. Depois de ler essa edição da newsletter Amo News da
fiquei pensando se essa leveza ao escrever só existe porque estar aqui ainda é um hobby pra mim.Será que, se um dia eu monetizar a escrita, vou perder esse lugar de descanso? Se você que me lê também tem uma newsletter, mas não depende dela para viver, como é essa experiência para você? E, se você vive dos seus escritos, como é a sua relação com eles? Adoraria trocar ideia sobre isso!
Talvez você queira ler essa edição que eu escrevi sobre Carreira, Trabalho, Hobby e Vocação, baseada num workshop da Liz Gilbert sobre criatividade.
Menina, você escreve muito bem. Gosto muito de ler seus textos, me fazem pensar.
Parar com redes sociais foi um grande lucro para mim, estou no terceiro livro em dois meses, pouco? Talvez, mas é um começo.
Quanto a monetizar suas escritas, creio que acaba virando um peso, deixa de ser prazer por virar obrigação.
Parabéns!
Olha como a vida apresenta nossos talentos e dons sem nem percebermos. A escrita e um refúgio lindo!!