Essa é uma história pessoal sobre o dia em que resolvi fazer algo pela primeira vez.
Nada melhor do que a curiosidade pra começar a enxergar a vida através de uma lente grande angular. Aquela lente que amplia o angulo da visão, sabe? A vida, no geral, é muito cheia de certezas, de dias conhecidos, de lugares já vistos.
Eu AMO uma rotininha. A boa e velha "zona de conforto". Quem não ama uma zona de conforto? Con-for-to. É tudo o que uma mãe cansada precisa. Mas cheguei no momento em que o conforto da zona de conforto me deixou estagnada.
Eu queria mudanças. Pra isso precisava me movimentar e circular por novos ambientes. Eu queria experimentar coisas novas. Ter uma vida mais artística também, por que não? Foi aí que pensei - vou experimentar aquarela.
Agendei uma aula experimental.
Observar aquelas cores diluídas em água tocando o papel num ritmo próprio mexeu comigo. A aquarela tem um tempo só dela, a gente meio que não tem total controle sobre ela. E como eu sou controladora demais pensei - É disso que eu preciso.
No mesmo dia estava eu no Mercado Livre já fazendo a compra do kit aquarela pra testar em casa.
Desempacotei meu kit, preparei a mesa, abri referências no Pinterest e comecei…
Decidi pintar olhos.
Mas essa experiência também me trouxe desconforto e ansiedade. Queria terminar rápido, mas por quê? Acho que era uma ansiedade vinda da voz de dentro da minha cabeça que dizia calada - você está tão imersa que talvez esteja perdendo seu tempo em algo que, no máximo, resultará em um olho de aquarela. Isso não é um projeto com futuro próspero, não será nem ao menos um texto divulgado. Qual o propósito disso?
Eu sabia todas as respostas, mas ainda assim me perguntava o que poderia fazer com aquilo. Uma exposição de olhos? Meu Deus, eu realmente conseguia pintar olhos.
De quem são esses olhos? Questionei com minha terapeuta. Quem será que está me observando? Os olhos são profundos. Alguns choram. Sou eu?
Quando olhamos para os olhos, enxergamos a alma. Realmente conhecemos uma pessoa pelos olhos. Nos apaixonamos através de um olhar. Escutamos o íntimo de alguém ao olhar fundo em seus olhos. A gente sabe quando olha nos olhos de alguém.
E aqueles desenhos tinham vida. Que loucura ver uma mistura de cores e traços se transformar em algo com alma! Claro que não tinham alma, mas... quem disse que não? Pareciam ter vida.
Esse sentimento me tomou por completo, um misto de orgulho com um certo medo. Medo, Gabriela? Você não tem medo! Tive muito medo. Ali estava descobrindo algo em que poderia fazer bem se eu me dedicasse. Medo, talvez, porque eu não queria me tornar uma pintora. Uma pintora de olhos. Ah, essa vida de artista que não paga boleto. E olha só eu, que ridícula, presa nos pensamentos que eu mesma ensino e incentivo outros a ignorarem. Caí na armadilha do mito do artista sem autoridade, do artista sem ação.
Eu sou uma pessoa de muita ação. Estou sempre querendo fazer, criar, inventar. Mas não queria parar para criar olhos. Muito fúteis - eu pensava. Pensava em silêncio, só para mim mesma. Na verdade, eu não pensava; eu apenas sentia. Porque pensar mesmo (aquele sentimento que vem do cérebro) eu pensava que era óbvio que os olhos estavam muito longe de serem geniais e que eu estava apenas me divertindo. Eu precisava levar a sério?
Faço que não é comigo. Continuo com os olhos. Caramba, eu realmente melhorava a cada um deles. Meus filhos confirmaram - estão perfeitos, mamãe. Criança é sincera mas é deslumbrada demais, pensei. Meu marido, com seu "sincericídio" agudo, ia jogar a real, mas, surpreendentemente, ele elogiou. Devo continuar? Não continuei.
Há meses não retorno à aquarela. Foi só um dia. E depois mais um. E só.
Leia também:
Mulheres, Criatividade e a Autodescoberta
Meu primeiro post não poderia ser sobre um tema diferente. Eu venho explorando intensamente o ato de criar e como ele tem relação com a descoberta de quem realmente somos.
Como se transformar através dos livros
Aula gravada: Como Se Transformar através dos Livros. - Nessa aula eu ensino como faço pra tirar mais proveito dos livros, transformar cada leitura em algo que realmente faz diferença no dia a dia.
Hoje as recomendações de newsletters são relacionadas a arte:
Arteletter: Conteúdo para interessados na arte dos nossos tempos.
Tira do Papel: reflexões curtinhas sobre criatividade, garimpos e um... pum?
Aperçu: Diálogos sobre arte moderna e contemporânea, cultura e literatura.
Atlas da Joalheria: Joias, tendências e significados. Como objetos tão pequenos dizem tanto?
Un mundo de acuarela: Un espacio para que charlemos de arte, inspiración y sobre todo pintura en acuarela...
depois de ler esse texto e ver esses desenhos, penso que todo mundo precisa parar para criar olhos. :)
obrigada por compartilhar, eu adorei e também acho que seu eu do futuro vai te agradecer por continuar ;)
Concordo com Rodrigo e as crianças.
Você devia continuar.